Retail Investment Strategy
Tentativa de encaminhar os clientes para investimentos ou de manter a indústria transparente?
Retail Investment Strategy: tentativa de encaminhar os clientes para investimentos ou de manter a indústria transparente?
Os participantes do primeiro Think Tank organizado pela FundsPeople e pela BNY Investments pode dizer-se que estão céticos quanto ao que a Retail Investment Strategy (RIS) poderá trazer de mais e menos positivo, tanto ao negócio como aos clientes. As dificuldades - e incompreensões - de MiFID II ainda pairam na memória de quem atua neste mercado há anos, e sabe que questões como educar o cliente para o pagamento do serviço de aconselhamento financeiro é, ainda, um conceito pouco percetível (e pouco aceitável) por parte de quem procura os serviços de banca privada.
Na conversa com os quatro profissionais, falou-se de como é que os ativos privados e o seu cariz de longo prazo podem comungar do que a RIS propõe, mas sobretudo estendeu-se o debate à educação financeira do cliente, e à sua pouca disponibilidade para perceber que as recomendações financeiras feitas por um profissional deveriam ser pagas. Depois do Parlamento Europeu ter flexibilizado ligeiramente a questão do recebimento de retrocessões, muitas dúvidas sobre outras propostas da diretiva foram confessadas nesta conversa, nomeadamente: qual o objetivo, no fim de contas, da RIS?
Objetivo da RIS e recordar a MIFID II
Na opinião de Bruno Minoya Perez, o investimento em mercados privados poderá ser um bom presságio para o que a RIS preconiza. “Estes investimentos ajudam, de certa forma, a mentalizar os investidores de que os investimentos no mercado de capitais têm de ser feitos numa perspetiva de médio e longo prazo. Obviamente que no caso dos venture capital, dos private equity e de alguns fundos imobiliários, existe o prémio da liquidez. Mas isso já é uma consciencialização que os investidores começam a ter, no que diz respeito à capacidade e importância de manter os investimentos em momentos de volatilidade, sabendo que não podem aceder à liquidez dos ativos financeiros. Isso é um primeiro passo que vai entroncar no que preconiza a RIS, que é esta ideia de transformação de depositantes em investidores”, refere.
António Luna Vaz tem dúvidas de que esse seja o único objetivo da Comissão Europeia com a diretiva. “Eu acho que a RIS trata mais de uma preocupação de controlo dos atuais profissionais, em concreto na transparência e assertividade com que nos dirigimos aos clientes. Recorde-se que a DMIF II foi implementada em 2017, e hoje em dia ainda existem casas que oferecem maioritariamente produtos best in house, e em que não existe uma estrutura clara de arquitetura aberta, o que é relativamente relevante no atual contexto”.
Precisamente a memória do que foi a MIFID II, faz com que Pedro Lobo recorde que esse foi um trajeto “que foi do 8 ao 80 do ponto de vista da regulação, com muitas dores de crescimento pelo meio, com muitas ineficiências”. Para o profissional existe a preocupação de que na RIS possa acontecer a mesma coisa. “Na diretiva fala-se de benchmarks, value for money… conceitos que em termos práticos e reais me parecem difíceis de colocar em prática”, prevê.
Bruno Minoya Perez avisa até que questões como estas podem “perverter aquilo que é o princípio da defesa dos interesses do cliente, em detrimento do investimento que é melhor aconselhado pelo preço”.
Educar o investidor
Para Ana Nobre, existe um caminho que tem de ser feito de educação do investidor e, na sua perspetiva, a RIS poderá ajudar nesse caminho. "O processo de educação do investidor vai ser compulsivo via regulador. A regulação tem vindo a conduzir o cliente. Os clientes portugueses - na sua esmagadora maioria - todos nós sabemos que são avessos a pagar por um serviço de aconselhamento que lhe seja proporcionado". Progressivamente os clientes dirigem-se para esta realidade, mas é um caminho difícil. “Por isso, ter o regulador em conjunto connosco neste processo pedagógico é importante”, atesta.
Para António Luna Vaz, “ainda vai demorar algum tempo até que a generalidade dos clientes tenha uma clara visão das vantagens deste modelo de negócio”. Recorda, no entanto, que quando lançaram no BPI o serviço de consultoria para investimento independente houve um período muito mais curto do que o esperado para que os clientes começassem a aderir a uma estrutura de um serviço de aconselhamento baseada na cobrança única de um fee anual, tendo como contrapartida a oferta de um serviço profissional de aconselhamento nas várias vertentes da sua fortuna. “Em Portugal há cada vez mais uma consciencialização de pagar por serviços, particularmente aqueles em que é bem visível a contrapartida”, afirma.
Ana Nobre assinala também que para o cliente é difícil perceber que o próprio banco tem “custos brutais, de formação, de regulação, relatórios que têm de ser preparados, etc.”. Em tom de brincadeira refere: “Eu costumo dizer muitas vezes que nós não redenominamos o objeto social para caritativo! Somos instituições com fins lucrativos, e é muito importante explicar isto aos clientes de uma forma transparente”, aponta.
Aconselhamento independente: necessário mas disruptivo
Uma das partes benéficas que a Retail Investment Strategy poderá trazer é a aceleração para o aconselhamento independente, diz Pedro Lobo, recordando que “em Portugal é muito embrionário”. No entanto, o profissional traz para cima da mesa uma reflexão sobre o que a implementação desse tipo de serviço pode trazer para a banca nacional. “O assessoramento independente tende a reduzir as margens. Às vezes parece que estamos a falar de um conceito de criação de um serviço que vai substituir custos e que o cliente ficará igual. Não, as margens tendem a reduzir, e o cliente a potencialmente ter menos custos, no final do dia”, aponta.